Diz o padre Alberto Luiz Gambarini(10) : "Jesus não deixou dúvidas quanto a esta questão: a eucaristia ou ceia não é uma mera lembrança, e sim a presença por inteiro de Jesus Cristo".(11)
Pois bem, analisemos essa questão dentro de seu contexto imediato, pois tais palavras tomadas isoladamente e sem explicação podem ter um sentido, mas dentro do seu respectivo contexto, levando em consideração a aplicação que o Senhor lhes deu, têm outro sentido bem distinto.
"Respondeu-lhes Jesus: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus, o selou" (10 6.26,27). Essas palavras deram princípio ao discurso e são a chave para compreendermos o sentido exato e a razão pela qual Jesus usou a linguagem figurada "comer" e "beber".
A única dificuldade que há para a compreensão desse discurso de Jesus está relacionada à falta de consideração à figura que lhe deu origem; ou seja, os judeus seguiam Jesus por causa do milagre dos pães, por causa do alimento material. Ao contrário, Jesus elucida que a comida que ele tem é algo maior: "a comida que permanece para a vida eterna" (v. 27). Então, os judeus apelam para o episódio do maná que desceu do céu. Jesus explica que o verdadeiro pão não era o maná, mas que o pão verdadeiro é outro, o próprio Cristo. Daí, disseram os judeus: "Senhor, dá-nos sempre desse pão" (Jo 6.34).
Até aqui, percebemos que os judeus não estavam entendendo a mensagem de Jesus e, por isso, interpretava-o de modo literal, assim como os católicos fazem. Jesus então explica que o sentido de sua mensagem era simbólico, espiritual, não literal: "E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede" (Jo 6.35). Esse versículo é muito importante, pois nos explica que comer a carne e beber o sangue de Jesus é somente crer e ter fé nele, recebendo-o; nada mais que isso. É justamente isso que significa o alimento do seu corpo: "Porquanto a vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna" (Jo 6.40). Jesus rechaça qualquer tipo de confusão quanto a isso quando arremata: "O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida" (10 6.63). Jesus estava falando espiritualmente, não fisicamente. Estava explicando que a vida vem por meio da fé nele, e não comendo o seu corpo.
Então, como explicar esse versículo: "... e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo" (Jô 6.51)? Será que com isso Jesus não estava ensinando sobre a eucaristia, quando os seus seguidores iriam alimentar-se dele por meio da hóstia num tempo futuro? Não necessariamente. A Bíblia ensina, sem sombra de dúvidas, que a vida eterna viria por meio de sua morte na cruz, dando seu corpo, isto é, sua carne para ser sacrificada. E isso está em perfeita concordância com o restante das Escrituras. Veja como o apóstolo Paulo entendeu essa questão: "Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a inimizade" (Ef 2.14).
A Bíblia nos diz que Cristo realmente deu seu sangue e sua carne ao mundo para alcançarmos a vida eterna. Vejamos: "E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus. A vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no entendimento pelas vossas obras más, agora contudo vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis" (CI 1.20-22) e "Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne" (Hb 10.20).
A conclusão a que chegamos, lendo o contexto, é que o "alimentar-se" de Jesus (seu corpo), por meio da sua carne e do seu sangue, é a mesma figura de linguagem utilizada por ele em João 4.14: "Mas aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma fonte de água que salte para a vida eterna". Assim como essa "água" era espiritual, a bebida e a comida também, tanto é que quando os discípulos entenderam de modo literal essa mensagem Jesus prontamente os corrigiu explicando que: "O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida" (Jo 6.63). O "alimentar-se" de Cristo seria "crer nele", quando então o Pai entregaria seu Filho na cruz para ser sacrificado por nossos pecados. Muitos pais da igreja primitiva concordavam com este ponto de vista, entre eles Agostinho; considerado um dos maiores doutores da Igreja Católica.