sábado, 21 de março de 2009

O que significa discernir o corpo do Senhor?

Dentro da teologia existe uma disciplina chamada hermenêutica. O que é hermenêutica? Em toscas palavras, hermenêutica nada mais é do que a ciência de interpretar textos antigos, sendo uma das matérias de estudo no campo do Direito. Dentro do contexto teológico é a arte de interpretar a Bíblia. Dentre as inúmeras regras, a mais salutar e primordial de todas é a do exame do contexto. Vamos aplicá-Ia aqui. O texto em lide reza: "Porque o que come e bebe indignamente, come e bebe para sua própria condenação, não discernindo o corpo do Senhor" (I Co 11.29).

Entre os cristãos daquela época existia uma festa chamada "Festa Ágape" ou festas de amor (Jd 12). Era comum entre os cristãos celebrarem a ceia com esta refeição, destinada a ajudar os pobres (esta prática perdurou até na época de Justino, o mártir: 100- I 70).

Corinto era uma igreja problemática em termos de doutrinas (véu, dons espirituais, batismo, brigas, divisões e Santa Ceia), e eles não estavam discernindo o real objetivo de suas reuniões (v. 17,18-20). Para eles, aquilo era apenas uma festa como as demais festas mundanas da sociedade grega (Corinto era grega) da qual tinham vindo. Então, quando se reuniam, todos se embriagavam (v. 21), como faziam antes de se converterem, e não discerniam que aquilo era muito mais que uma festa, devia ser observada "em memória" de Cristo (v. 25). Por isso as pessoas deveriam examinar a si mesmas antes de tocar no pão e no cálice (v. 28), pois correriam o risco de tomarem a ceia de modo indigno, fora do propósito para a qual fora estabelecida, ou seja, para a comunhão e não divisão dos fieis (v. 18). Isto é o que o apóstolo Paulo queria dizer com "discernir o corpo do Senhor". Não há nada que insinue no texto a herética doutrina da transubstanciação. O contexto, quando analisado honestamente, não comporta tal idéia. Logo, qualquer conclusão que passar disso não é verdadeira.


Os disparates dessa doutrina

Ensina a teologia católica a transubstanciação (alteração de substância) durante a eucaristia. Após serem consagrados os elementos, pão e vinho, pelo padre e repetidas as palavras de Cristo, "isto é o meu corpo" e "isto é o meu sangue", misteriosamente o pão se transforma na carne de Cristo e o vinho, no sangue. Levando as palavras de Cristo a um "literalismo" bruto, interpretam ser o pão o próprio corpo de Cristo presente na hóstia. Essa doutrina é baseada principalmente no trecho do evangelho de João 6.53: "se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos". Contudo, daremos algumas razões de nossa rejeição a essa doutrina errônea e perigosa.

1. Se na frase "isto é o meu corpo" o verbo "ser (é)" implica a conversão literal do pão no corpo de Cristo, segue-se igualmente que nas palavras "eu sou o pão da vida" (Jo 6.35) o verbo "ser (sou)" deve implicar igual mudança, ensinando-nos que Cristo se converte no pão, de modo que, se o primeiro é uma "prova" da transubstanciação, o segundo demonstra necessariamente o contrário; se o primeiro demonstra que o pão pode converter-se em Cristo, o segundo demonstra que Cristo pode converter-se em pão, o que é um verdadeiro absurdo, mas é isto o que a lógica dessa filosofia nos leva a entender.

2. Se acreditarmos que nesse episódio Jesus estava se referindo à eucaristia, então forçosamente ninguém pode se salvar sem o sacramento, e todo aquele que o recebe não pode se perder. Seria sempre necessário ao fiel comungar-se para não perder a bênção da vida eterna. E aqueles que não podem tomá-la? Estariam destinados ao inferno? Crêem os católicos que todo aquele que comunga tem a vida eterna? Pois Jesus disse que, sem exceção, "todo aquele" que comesse a sua carne teria de fato a vida eterna. E o que dizer então daqueles que bebem indignamente (I Co 11.28)? Tal é a contradição e confusão que nos mostra tão descabida teoria se levada ao pé da letra.

3. Esse ponto já foi tratado acima, mas vamos reforçá-lo aqui. Ora, se tomadas literalmente essas palavras, o beber o sangue é tão importante quanto o comer a carne. Em outras palavras, é tão necessário comer o pão (hóstia) como beber o cálice (vinho). E por que então o padre nega aos fiéis esse direito, desobedecendo a Bíblia?